O CHAMADO DA IGREJA.

09:00Apenas Evangelho


Leia Atos 5.17-42.

por Sandro VS

John MacArthur, no seu livro As parábolas de Jesus, descreve, o que na sua opinião, considera a atividade extrema mais desnecessária de todas: o alpinismo em altitudes extremas. Segundo ele, usando as trilhas do Monte Everest como exemplo, a cada ano são entulhados os corpos de alpinistas que fracassam, se juntando aos corpos já existentes de expedições anteriores. 


Ele afirma ainda que todo este esforço além de perigoso, também é caro, pois uma única tentativa custa algo entre US$30.000 e US$120.000 e a escalada exige, no mínimo, de oito a doze meses de treinamento em tempo integral, além de vários anos de experiência na prática do alpinismo. 

Levando em conta o custo alto desse passatempo e sua periculosidade, é surpreendente ver quantas pessoas estão dispostas a arriscar, não só o que têm, mas até mesmo a própria vida para realizar essa façanha, já que essa conquista não oferece recompensa material. 

Baseado no registro que o livro de Atos nos oferece acerca do inicio da igreja, poderíamos muito bem associar o ingresso no Reino de Deus a esse esporte, pois vemos uma analogia entre o se submeter aos parâmetros desse reino e as consequências dessa decisão, com as exigências que este esporte impõe. 

Por mais entusiasmado que possa estar por fazer parte do reino, a euforia, por si só, não será suficiente para manter o discípulo no caminho se ele não estiver determinado a enfrentar algumas consequências dessa decisão, pois as palavras do próprio Cristo nos Evangelhos ganham vida no inicio da historia da igreja descrita no livro de Atos: "Se o mundo vos odeia, sabei que primeiramente odiou a mim. Se fôsseis do mundo, o mundo amaria o que era seu. Mas o mundo vos odeia porque não sois do mundo; pelo contrário, eu vos escolhi do mundo. Lembrai-vos da palavra que eu vos disse: O servo não é maior que o seu senhor. Se perseguiram a mim, também vos perseguirão; se obedeceram à minha palavra, obedecerão também à vossa". João 15.18-20 

Esta narração de Lucas é referente à segunda prisão dos apóstolos, já que a primeira ocorreu logo após a cura milagrosa de um aleijado desde o nascimento. A razão dessa segunda prisão também são os sinais e milagres, mas, somadas à expressividade do primeiro milagre, agora são milhares que se comprimem em torno dos apóstolos nas ruas, praças e no Pórtico de Salomão, na área do templo. 

O ajuntamento dessas multidões chega ao conhecimento do sumo sacerdote e seus associados do Sinédrio. Eles enfrentam um problema que não tinham podido resolver anteriormente, quando, na audiência anterior, disseram a Pedro e João que não falassem nem ensinassem no nome de Jesus. 

Mesmo que a prisão não tenha atingido seu objetivo, já que um anjo libertou milagrosamente os discípulos e ordenou a que continuassem o trabalho evangelístico, os lideres religiosos não se deram por satisfeitos e novamente chamam os lideres da igreja para uma nova audiência. 

Nesse novo julgamento pode-se perceber que, entre outros aspectos, o chamado da Igreja é a uma obediência que não ignora as consequências da sua submissão. 

O texto nos apresenta um sumo sacerdote furioso com os apóstolos por dois motivos: primeiro porque uma ordem expressa do Sinédrio fora desobedecida por eles, mas também porque os apóstolos acusavam as autoridades judaicas de terem crucificado a Cristo Jesus. 

Pedro já havia argumentado contra essa ordem na primeira audiência e o fez de forma que os lideres religiosos encontrassem a inconsistência dessa determinação por si mesmos: “Julgai se é justo aos olhos de Deus obedecer a vós e não a ele” (At. 4.19). Mas agora, sem meias palavras, Pedro afirma que a autoridade de Deus está acima da autoridade do Sinédrio e que, para obedecerem a Deus, estavam dispostos a desobedecer às autoridades judaicas. 

Quanto ao segundo motivo da indignação do Sinédrio, Pedro reitera sem meias palavras: “O Deus de nossos pais ressuscitou Jesus, a quem vós matastes, pendurando-o num madeiro”. 

O apóstolo coloca a ressurreição antes da crucificação intencionalmente, primeiro para mostrar que, mesmo eles tendo arquitetado o assassinato de Jesus, apenas cumpriram os propósitos divinos, e depois para concluir que mesmo Deus tendo feito esse milagre, nada abonava a culpa deles por terem crucificado o Filho. Não podemos imaginar que Pedro não tivesse aqui a noção do que acabara de fazer, isto é, ele tinha noção das implicações de sua postura até aqui. 

Assim, o custo de ser um cristão é, não só estar disposto a obedecer a Deus antes do que aos homens, mas também suportar as consequências dessa disposição, em outras palavras, se por um lado, o chamado do Evangelho é a obediência, por outro, a advertência do Evangelho é não desconsiderar as consequências dessa resolução. 

Outra percepção que temos nessa audiência, entre outros aspectos como já frisado, é que o chamado da Igreja também é para, depois de conformados a Jesus, enfrentar a incredulidade do mundo, pois todo o que proclama o Evangelho de Cristo pode entender o que o apóstolo Paulo escreveu: “Para uns somos o cheiro da morte; para outros, a fragrância da vida” (IICor. 2.16). 

Quando os judeus, no dia de Pentecoste, vão a Pedro depois de seu sermão, estão com o coração quebrado pelo arrependimento: “Ao ouvirem isso, eles ficaram com o coração pesaroso e perguntaram a Pedro e aos demais apóstolos: Irmãos, que faremos?” (At. 2.37). Agora, aqui, quando os saduceus do Sinédrio ouvem as palavras de Pedro, estão também com o coração comovido, mas pela raiva, pois ficam tão furiosos que querem matar os apóstolos. Recusam-se a aceitar o Evangelho que convoca os homens a obedecer a Deus. 

Ainda que até aqui não tivessem o poder para executar a sentença, tentariam encontrar uma maneira de matá-los, pois já tinham feito isso contra Jesus com a ajuda do governador romano, portanto, assim como executaram Jesus, agora querem se livrar de seus discípulos. 

No período pós-Pentecoste, diferente das narrativas dos Evangelhos, são os saduceus se sentem ameaçados ante a crescente influência dos apóstolos, enquanto a oposição dos fariseus é acalmada. Assim, no Sinédrio, os fariseus detêm o equilíbrio do poder, e um deles aqui, Gamaliel, é quem dá um conselho aparentemente favorável aos apóstolos. 

Gamaliel vinha de uma família de mestres da lei mosaica. Era filho do rabino Simeão e neto do influente rabino Hilel, que fundara uma escola para os fariseus. Gamaliel tornou-se líder nessa escola, que era conhecida por sua tendência mais liberal do que a sua rival, a escola de um rabino que se chamava Shamai. Lucas, mais a frente no livro de Atos, registra um dos discursos de Paulo onde o apóstolo afirma que foi um de seus alunos quando disse que tinha sido educado e treinado na lei por Gamaliel (At. 22.3). 

Devemos perceber que o próprio Gamaliel se exclui das intenções do sumo sacerdote e dos seus associados saduceus, pois ele não emprega a primeira pessoa do plural para incluir-se nas decisões do Sinédrio, porém se dirige aos seus colegas de tribunal na segunda pessoa do plural, indicando que ele não faz parte das ações da assembleia, mas apenas a serve no papel de conselheiro. Assim, com palavras brandas e dois exemplos da história recente, tenta acalmar os ânimos do Sinédrio. 


Gamaliel menciona Teudas que havia se proclamado líder atraindo quatrocentos homens para sua causa, mas ele foi morto e seus seguidores dispersos. O historiador Flavio Josefo registra um relato sobre certo Teudas, um profeta autoproclamado que persuadiu uma grande massa a segui-lo até ao Jordão, com a promessa de atravessar o rio com os pés enxutos. E foi ali mesmo que Cúspio Fado, procurador da Judéia, e seus soldados mataram Teudas e seus seguidores. 


Com esse exemplo, Gamaliel está dizendo que, apesar de possuir um grupo de mais ou menos quatrocentos seguidores, Teudas foi morto e todos foram dispersos, portanto não há razão para temer os apóstolos, pois Jesus também está morto, e, sem o líder, seus seguidores se dispersarão. 

Depois ele cita um episódio em que um homem chamado Judas havia se revoltado em razão de um recenseamento aplicado durante o reinado do imperador Augusto, já que o censo não envolvia apenas a contagem da população, mas também o reajuste dos impostos pagos ao governo romano. Mas Judas foi morto quando o exército romano comprimiu essa rebelião e espalhou seus seguidores. Porém, o resultado da revolução de Judas foi o surgimento do partido dos zelotes, ao qual pertencia um dos doze discípulos chamado Simão, o zelote (Mt. 10.4). 


O segundo exemplo de Gamaliel, portanto, aponta para alguns que pertenciam ao complexo político da Judéia do primeiro século, mas que não desfrutavam da simpatia dos grupos maiores porque eram considerados fanáticos, concluindo então que, com esse exemplo, Gamaliel aconselha seus colegas a suportar os cristãos da mesma maneira em que toleram os zelotes, pois, tanto um quanto o outro, não passam de aventureiros querendo preeminência no contexto religioso judaico. 


Apesar de Gamaliel ter ao seu favor o uso de uma lógica fria ao invés do calor das emoções, sua abordagem está equivocada. Para começar, colocou Jesus na mesma categoria dos dois rebeldes, o que significa que já havia rejeitado as evidências e o apelo do apóstolo Pedro. 

Mas, mais do que isso, ele tinha a ideia equivocada de que, se algo não era de Deus, não daria certo. Uma ideia que não leva em consideração a natureza pecaminosa humana e a presença de Satanás no mundo, pois muitas tarefas contrarias a Cristo e seu Evangelho se desenvolvem com certo sucesso enganando os que podem. O parecer de Gamaliel, que sugere que o tempo, por si só, é suficiente para revelar a verdade, pode ser apenas um meio do mal se preservar no mundo. 

Como escreveu Mark Twain: “Enquanto a verdade ainda está calçando seus sapatos, a mentira já deu uma volta ao redor do mundo”. 

Assim, sob qualquer ponto de vista, a lógica de Gamaliel é insensata, pois utiliza a politica do "em cima do muro" e incentiva a neutralidade em momento capital, isto é, quando uma decisão é exigida. Jesus deixou claro que é impossível permanecer neutro em relação à sua pessoa e à sua mensagem: "Quem não é por mim, é contra mim; e quem comigo não ajunta, espalha" (Mt. 12.30). 

O que podemos entender desse texto é que a Igreja, depois de atender o chamado do Evangelho, deve estar atenta a tudo o que esta resposta significa, ou seja, se por um lado somos convocados a obedecer e colher os frutos dessa obediência, por outro não podemos ignorar as consequências impostas pelo mundo em razão dessa obediência. 

Se por um lado devamos nos alegrar ao escutarmos dos outros como estamos conformados a Jesus, por outro temos de enfrentar a incredulidade deles quando nos associam com todos os tipos de religião fanática em suas piores manifestações. 

Apenas no Evangelho o chamado da igreja é tanto um privilegio quanto um sofrimento. 

Soli Deo Glória!

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